Cultura

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  • Há quem defenda que o conceito de cultura é o termo mais difícil da antropologia. Não existe uma definição do conceito de cultura com a qual a maioria dos antropólogos pareça concordar.
  • O termo cultura é muito utilizado como sinónimo de sociedade, como qnd se fala, na linguagem corrente, de "outras culturas". Parece muito difundida uma visão que distingue as duas, como em termos como "sociedade multicultural". Se tais sociedades existem, é possível ter uma sociedade, mas várias culturas. Embora esta forma de falar possa ser significativa na terminologia simplificada do jornalismo e da linguagem coloquial, é demasiado imprecisa para ser útil na investigação antropológica, mesmo que termos como "sociedade multicultural" sugiram questões antropológicas relevantes.
  • Uma das mais antigas e famosas definições de cultura provém do antropólogo inglês E.B. Tylor, que a definiu da seguinte forma: "Cultura ou civilização, no seu sentido etnográfico mais lato, é o conjunto complexo que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, os costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade". Muitos consideraram esta definição bastante útil, apesar - ou talvez por causa - do seu carácter muito amplo e geral. Tylor inclui no seu conceito de cultura todas as "capacidades e hábitos" que possa imaginar, e mais alguns.
  • As tentativas posteriores (a Tylor) de definir cultura no sentido antropológico da palavra foram menos abrangentes.
  • O principal porta-voz da antropologia interpretativa, Clifford Geertz, sugeriu na década de 1960 que a cultura fosse vista como significados partilhados expressos através da comunicação pública A cultura partilhada não implica, por outras palavras, que todos tenham obtido exatamente os mesmos conhecimentos, tenham as mesmas opiniões e tenham adquirido exatamente as mesmas competências, mas que aqueles que partilham uma cultura partilhem também uma visão do mundo e falem a mesma língua, tanto no sentido literal como metafórico.
  • A cultura, assim entendida, permeia toda a atividade humana. Alguns poderão ainda pensar que a economia e a política têm pouco a ver com a cultura; a economia tem a ver com a utilidade ou a subsistência, e a política com o poder. Mas é claro que uma tal descrição seria imperdoavelmente simplista. Os valores culturais, que são diferentes, determinam quais os valores que são considerados desejáveis na vida económica de uma sociedade, e as circunstâncias culturais regulam o comportamento das elites políticas. A cultura é um aspeto da atividade humana e não apenas um setor.
  • O conceito de cultura é ainda mais controverso do que o conceito de sociedade e é criticado há muitos anos por antropólogos que estão convencidos de que estariam melhor sem ele. A crítica do conceito de cultura tem sido um exercício comum na antropologia desde há anos, e um pequeno conjunto de argumentos é apresentado repetidamente na literatura, desde dissertações de mestrado a monografias. De facto, parece possível limitar o número de argumentos centrais a quatro.
  • Argumentos centrais contra a existência de conceito de cultura: A 1ª objeção é a pluralização da palavra: culturas. Por um lado, a cultura pode ser conceptualizada como o oposto da natureza. De acordo com esta visão, todas as pessoas são igualmente cultas; é a cultura (tudo o que é aprendido, como a língua, a religião, etc.) que nos torna humanos, e a cultura une a humanidade. Por outro, a cultura pode ser usada no plural e aparece como algo que divide a humanidade em vez de a unir. A atenção é deslocada do que é exclusivamente humano para aquilo que torna os grupos diferentes uns dos outros.
  • Argum. centrais contra a existência de conc. de cultura: 1ª Esta forma de concetualizar a cultura foi dominante na antropologia ao longo do século XX, nomeadamente devido ao relativismo cultural de Boas e à metodologia de campo de Malinowski, centrada na sociedade única. Antropólogos mais interessados nos universais humanos do que nas diferenças culturais, desejam regressar a uma compreensão da cultura como o que une a humanidade. De acordo com este ponto de vista, as expressões atuais da cultura são obviamente únicas e variáveis, mas, a um nível mais profundo, referem-se a algo universal.
  • Argum. centrais contra a existência de conc. de cultura: A objeção 2 diz respeito ao problema da delimitação e tem muito em comum com as críticas ao conceito de sociedade. Dentro de cada grupo humano, seja qual for a sua delimitação, há uma variação considerável, e raramente é fácil ver quais são as diferenças sistemáticas entre os grupos.
  • Argum. centrais contra a existência de conc. de cultura: A objeção 2 (2) Nalguns aspectos, as variações dentro de um grupo podem ser maiores do que as variações entre grupos. Este ponto simples pode ser facilmente apoiado pela observação, nomeadamente nas sociedades modernas e complexas.
  • Argum. centrais contra a existência de conc. de cultura: A objeção 2 (3) Em certos aspetos, pode dizer-se que as classes médias urbanas da Europa Ocidental têm mais em comum umas com as outras do que com as pessoas de zonas remotas dos seus próprios países. Além disso, a imigração trouxe consigo um novo tipo de dinâmica cultural, que cria novas misturas de impulsos provenientes de uma variedade de fontes. Os filhos de imigrantes, que cresceram no novo país, podem falar punjabi em casa e alemão fora de casa, e recorrer a um repertório cultural que não é nem paquistanês nem alemão, mas ambos.
  • Argum. centrais contra a existência de conc. de cultura: A objeção 2 (4) Um outro exemplo poderia tomar como ponto de partida o impacto da cultura de massas comercial. Os adolescentes de todo o mundo adquirem algumas das mesmas referências culturais, já que, entre outras coisas, ouvem música semelhante e viram os mesmos filmes (muitas vezes americanos); e não se pode partir do princípio de que partilham essas referências com a geração parental.
  • Argum. contra a exist. de conc. de cultura: A obj. 2(5) O mundo contemporâneo está repleto de formas culturais mistas e de fluxos transnacionais de elementos culturais, o que torna mais difícil do que nunca estabelecer fronteiras entre culturas.
  • Argum. contra a exist. de conc. de cultura: objeção 3 é a utilização política do conceito de cultura. É cada vez mais claro que o conceito antropológico clássico de cultura - base do relativismo cultural - tem sido utilizado para promover reivindicações de grupos, para discriminar minorias e para defender a exclusão através de um nacionalismo agressivo.
  • Argum. contra a exist. de conc. de cultura: objeção 3 (2): Esta utilização do conceito de cultura, que reduz a complexidade existente numa sociedade a algumas categorias simples, inspirou muitos antropólogos politicamente conscientes a examinarem o seu próprio conceito de cultura de uma forma especialmente crítica. O exemplo mais conhecido, e talvez o mais consistente, de uma utilização política do conceito clássico de cultura é o sistema do apartheid sul-africano.
  • Argum. contra a exist. de conc. de cultura: objeção 4 é o carácter impreciso e irregular do conceito de cultura. Apesar de ter sido um pouco mais restrito desde Tylor e Boas, o conceito de cultura continua a parecer muito amplo e vago.
  • Argum. contra a exist. de conc. de cultura: objeção 4 (2) A cultura é frequentemente invocada para explicar conflitos e problemas nos meios de comunicação social e nos discursos quotidianos. Se os pais batem nos filhos, talvez se possa encolher os ombros e dizer que "é a sua cultura"; se um determinado grupo étnico está sobre-representado nas estatísticas da criminalidade, pode ser tentador explicá-lo referindo a "sua cultura".
  • Argum. contra a exist. de conc. de cultura: objeção 4 (3) A questão é que, para compreendermos o que se passa no mundo, precisamos de uma terminologia mais fina e matizada do que aquela que o conceito de cultura pode oferecer por si só. É demasiado simples, e dá uma ilusão de perceção em vez de uma verdadeira compreensão, explicar os acontecimentos utilizando o termo "cultura" de forma ligeira sobre supostos grupos delimitados e as características dos seus membros. Uma alternativa consiste em utilizar termos mais específicos em vez de falar vagamente de cultura.