Conclusão

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  • Antropologia urbana stricto sensu é para o estudo de grupos sociais e as suas práticas quando propriamente inscritos no enredo da cidade, isto é, articulados na e com a paisagem, equipamentos ou instituições urbanas, considerados não um mero cenário, mas uma parte constitutiva dessas práticas.
  • Trata-se de uma primeira aproximação à complexidade da dinâmica urbana contemporânea: nesse plano, a unidade de análise da antropologia urbana seria constituída pelas diferentes práticas e não pela cidade como uma totalidade ou uma forma específica de assentamento, configurando o que se entende antes por antropologia na cidade e não - ao menos não ainda - como uma antropologia da cidade.
  • Para identificar essas práticas e seus agentes, foi proposta uma estratégia que recebeu a denominação de um olhar de perto e de dentro, em contraste com visões que foram classificadas como de fora e de longe.
  • Olhar perto e de dentro: Ao partir dos próprios arranjos desenvolvidos pelos atores sociais em seus múltiplos contextos de atuação e uso do espaço e das estruturas urbanas, este olhar vai além da fragmentação que, à primeira vista, parece caracterizar a dinâmica das grandes cidades e procura identificar as regularidades, os padrões que presidem o comportamento dos atores sociais. Supõe recortes bem delimitados que possibilitam o costumeiro exercício da cuidadosa descrição etnográfica.
  • Identificar essas práticas significa que o recorte escolhido faz sentido tanto para os próprios atores como para o analista: trata-se de uma totalidade empiricamente definida, mas que, capaz de ter os elementos que os estruturam reconhecíveis como padrões, pode ser descrita, formalizada, constituindo um modelo mais geral. Aponta para uma lógica que transcende o contexto original, com poder descritivo e explicativo.
  • Categorias que descrevem as formas como podem se apresentar alguns desses recortes na paisagem urbana - pedaço, mancha, trajeto, circuito - procurando mostrar as possibilidades que abrem para identificar diferentes situações da dinâmica cultural e da sociabilidade na metrópole: a noção de pedaço evoca laços de pertencimento e estabelecimentos de fronteiras, mas pode estar inserida em alguma mancha, de maior consolidação e visibilidade na paisagem; esta, por sua vez, comporta vários trajetos como resultado das escolhas que propicia a seus frequentadores.
  • Categorias que descrevem as formas como podem se apresentar alguns desses recortes na paisagem urbana - pedaço, mancha, trajeto, circuito - procurando mostrar as possibilidades que abrem para identificar diferentes situações da dinâmica cultural e da sociabilidade na metrópole: Já circuito, que aparece como uma categoria capaz de dar conta de um regime de trocas e encontros no contexto mais amplo e diversificado da cidade (e até para fora dela), pode englobar pedaços e trajetos particularizados.
  • Como se vê, essas categorias não se excluem e são justamente as passagens e articulações entre seus domínios que permitem levar em conta, no recorte da pesquisa, as escalas das cidades e os diferentes planos da análise. Elas constituem uma gramática que permite classificar e descrever a multiplicidade das escolhas e os ritmos da dinâmica urbana não centrados na escolhas de indivíduos, mas em arranjos mais formais em cujo interior se dão essas escolhas.
  • As grandes metrópoles contemporâneas não podem ser vistas simplesmente como cidades que cresceram demais e desordenadamente, potencializando fatores de desagregação. Elas também propiciaram a criação de novos padrões de troca e de espaços para a sociabilidade e para os rituais da vida pública.
  • De pouco vale generalizar o desaparecimento da velha rua, tida como símbolo por antonomásia do espaço público, nem se limitar a proclamar que sua função foi ocupada pelas "tiranias da intimidade" ou por zonas desprovidas de sociabilidade: se em determinados contextos ficou inviável como suporte de antigos usos, a experiência da vida pública a que está associada pode ser encontrada em novos arranjos. Um determinado segmento do circuito de lazer, articulando pontos distantes na cidade, é tão real e significativo para seus usuários, quanto a vizinhança no contexto do bairro.
  • Cabe reafirmar, por fim, que a meta é seguir em busca de uma lógica mais geral. Do olhar de perto e de dentro, próprio da etnografia, para um olhar distanciado, em direção, aí sim, a uma antropologia da cidade, procurando desvelar a presença de princípios mais abrangentes e estruturas de mais longa duração. É somente por referência a planos e modelos mais amplos que se pode transcender, incorporando-o, o domínio em que se movem os atores sociais, imersos em seus próprios arranjos, ainda que coletivos.