Cards (19)

  • Dos cinco, é o tipo mais antigo. Tem talvez no século XVIII, perto de um milénio de existência. É também, sem dúvida, o mais universal, o mais difundido, talvez por ser o mais económico. É o modelo adaptado às sociedades rurais da Idade Média. É, provavelmente, comum a todos os continentes e sobreviveu até ao século XIX ou XX.
  • Este é, na verdade, o regime normal na falta do Estado, seja porque o Estado desapareceu, como aconteceu na Europa, com a queda do Império Romano, seja porque o Estado ainda não apareceu, como é o caso das sociedades primitivas da Oceânia, de África ou da América.
  • Primeiro elemento constitutivo, negativo, que caracteriza o feudalismo: a ausência de um poder central. A autoridade local atomizou-se pelo pulular de senhorios na Europa medieval, a autoridade regional é representada por ducados, baronatos, principados, que sobrepõem a esta poalha de senhorios poderes de nível intermédio.
  • Estas diversas autoridades não excluem a existência de um princípio que lhes é superior, uma suserania, cuja autoridade permanece puramente honorífica. O suserano não tem poder efectivo, não tem meios de exercer a sua autoridade e só dispõe sobre os seus pares ou sobre os seus vassalos de uma primazia de precedência. A realidade do poder está nas mãos dos barões em Inglaterra, dos duques no Império e dos príncipes noutros lugares.
  • Testemunha-o o facto de que, no feudalismo, o suserano nem sempre é hereditário, mas mais frequentemente escolhido pelos seus pares, permanecendo a monarquia eletiva. É, sem dúvida, na Polónia que encontramos o exemplo mais acabado de regime feudal, pois o rei da Polónia continua a ser eleito pela nobreza. É a expressão política cabal de uma sociedade hierarquizada em ordens.
  • Um outro traço constitutivo do feudalismo é a existência de laços pessoais. Neste ponto, a comparação revela o que diferencia as nossas sociedades modernas do feudalismo medieval. Nas nossas sociedades, o direito moderno não conhece os indivíduos: não se fazem leis para o particular; as leis são gerais, abstratas, impessoais, assim como a administração.
  • Mas faz parte da própria natureza do Estado moderno não tomar em consideração as situações pessoais: a regra de direito aplica- ea todos. É uma característica do nosso direito, do Estado moderno, das sociedades saídas da revolução. Na Idade Média, e ainda no antigo regime, os laços são pessoais.
    Os indivíduos estão
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    o vassalo presta homenagem ao seu suserano e ambos estão ligados por uma
    religião do juramento que os obriga. O suserano deveao seu vassalo auxilio e• protecção e, em troca, o vassalo presta-lhe assistência e conselho.
  • Mas faz parte da própria natureza do Estado moderno não tomar em consideração as situações pessoais: a regra de direito aplica-se a todos. É uma característica do nosso direito, do Estado moderno, das sociedades saídas da revolução. Na Idade Média, e ainda no antigo regime, os laços são pessoais. Os indivíduos estão integrados em toda uma rede de relações interindividuais: o vassalo presta homenagem ao seu suserano e ambos estão ligados por uma religião do juramento que os obriga. O suserano deve ao seu vassalo auxílio e proteção e, em troca, o vassalo presta-lhe assistência e conselho.
  • Os indivíduos estão integrados em toda uma rede de relações interindividuais...O mesmo se passa em todos os escalões da sociedade e define tanto as relações no interior das ordens privilegiadas como as relações entre o senhor e os seus camponeses. As relações entre o senhor e os seus camponeses são de tipo pessoal, situadas nos antípodas do sistema de relações anónimas e impessoais que caracterizarão no século XIX a manufatura e o comércio, em que o dinheiro substituirá esses laços pessoais.
  • O feudalismo ligado à terra ignora o dinheiro. É um outro traço. As instituições políticas e a ordem da sociedade estão intimamente imbricadas. O feudalismo está ligado a uma economia assente na propriedade e na exploração da terra. O senhor é um proprietário fundiário e os que dele dependem cultivam a sua terra ou aquela que ele lhes arrenda. O feudalismo encontra assim a sua expressão mais acabada nas sociedades em que o sistema de relações pessoais é completado pela servidão.
  • Nos meados do século XVIII, a situação do feudalismo declina. A servidão desaparece pouco a pouco na Europa Ocidental. A evolução económica emancipa os indivíduos, a irrupção do dinheiro nas relações sociais liberta as pessoas que podem resgatar-se ou exibir-se à execução dos contratos, o crescimento de uma sociedade urbana abala a ordem feudal e mina-lhe as bases.
  • Desaparecimento da servidão na Europa Ocidental (2): No plano político, o reforço de uma monarquia centralizada, no plano das forças sociais, a ascensão da burguesia, reduzem a extensão e a influência do feudalismo. Mas nem por isso ele está menos amplamente representado na Europa, mais a leste do que a oeste, confirmando assim a distinção que convém fazer entre as duas Europas.
  • Mais a oeste, o feudalismo perdeu terreno; progressivamente enfraquecido subsiste unicamente como instituição civil e social, já não como poder político. Afirmar isto é enunciar, por outras palavras, o que pretendíamos referir a propósito da discordância entre a evolução económica e social e a sobrevivência a ordem antiga; é captar a mesma realidade, mas de um ponto de vista essencialmente político.
  • Se é certo que o feudalismo perdeu as suas atribuições políticas, mantém-se, no entanto, como instituição civil: a nobreza conserva os seus privilégios, as suas imunidades, as suas precedências. Esta aristocracia não perdeu toda a esperança de recuperar os poderes que teve de ceder à monarquia e, de vez em quando, eclodem as suas tentativas de reconquista.
  • Esta reacção nobiliárquica, cujos aspectos sociais e económicos referimos, comporta também intenções políticas. A nobreza procura recuperar o poder de que foi desapossada pela centralização e pelo absolutismo monárquicos, e uma das chaves da crise pré-revolucionária é a oposição da nobreza aos esforços da monarquia para renovar a sociedade.
  • O feudalismo está assim em declínio, mas, longe de ter desaparecido, aproveita-se do mínimo enfraquecimento da vontade régia, de qualquer afrouxamento da autoridade monárquica, para tentar restabelecer a situação anterior.
  • Tentativas de restabelecer a situação anterior: E será assim enquanto a ordem social continuar a assentar nas ordens, no estados provinciais, fundamentos herdados do feudalismo. Há uma profunda antinomia entre a evolução dos regimes políticos da Europa ocidental no sentido da centralização monárquica e a ordem social que continua a ter por referência princípios diametralmente opostos. Esta é a explicação de algumas das crise que atravessam as sociedades políticas da Europa ocidental no século XVIII.
  • O feudalismo não desaparecerá completamente com a destruição da ordem social que lhe corresponde: sobreviverá até à Revolução Francesa e no século XIX e mesmo no século XX será possível discernir aqui e ali os seus prolongamentos. Nos países onde a economia assenta essencialmente na exploração da terra, onde os indivíduos continuam a ser ligados por laços de dependência, onde o patrocinado continua a existir, estamos em presença de sociedades que podemos classificar, em termos rigorosos, como feudais
  • Nas vésperas da revolução, o feudalismo persiste como uma forma vivaz, mas é combatido e já condenado, por um lado, pela afirmação da soberania do Estado sob a sua forma monárquica e, por outro, pelo desenvolvimento de uma sociedade urbana e pela ascensão de uma burguesia cujos interesses são solidários da monarquia contra as sobrevivências do feudalismo.