A obra do consulado e do império

Cards (9)

  • Napoleão conservou o essencial das conquistas sociais da revolução, mas remodelou-as. Ao corrigir a obra da revolução e ao moderar algumas audácias, tornou-a viável.
  • Em 1804, a obra da revolução foi fixada, corrigida, pelo Código Napoleónico -o código civil francês -, que tem uma importância capital, visto ter sido ele que fixou até aos nossos dias os traços da sociedade moderna em França, mas também numa diversidade de países que nele se inspiraram, adotando os seus princípios e reproduzindo as suas disposições.
  • O Código Napoleónico tem a marca do imperador. Ele próprio contribuiu para a sua elaboração, tomando parte nas deliberações do Conselho de Estado. Napoleão não era individualista, nem por temperamento, nem pelo espírito. O indivíduo é efémero, o que conta é o grupo; é, pois, necessário subordinar o indivíduo ao interesse superior do grupo, do qual faz parte. A sociedade atomizada saída da revolução parece-lhe perigosamente instável, e o papel do código e das instituições é fixá-la, solidificá-la.
  • O individualismo da revolução é temperado pelo princípio de autoridade a todos os níveis e em todas as comunidades: Na família, o código institui a autoridade do pai sobre os filhos, do marido sobre a mulher.
  • O individualismo da revolução é temperado pelo princípio de autoridade a todos os níveis: Na empresa é a autoridade do patrão sobre os empregados, estando o patrão investido de uma tutela por conta da sociedade, no interesse da ordem pública. Desconfia-se dos assalariados, cabendo, por isso, ao patrão assegurar a ordem no seu estabelecimento. O império restabelecerá o livrete operário. Este regime acaba assim por restabelecer uma forma de servidão disfarçada, pois a partir de então depende da boa vontade do patrão restituir a liberdade ao seu empregado ou conservá-lo ao seu serviço.
  • Pela sua preocupação de autoridade, a sua vontade de conter o individualismo, reação consular chega a chocar-se por vezes com os princípios da revolução, nomeadamente a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Assim, num artigo que só será revogado no II Império, o Código Napoleónico prevê que, em caso de desacordo entre o patrão e o operário, a palavra do patrão faz enquanto o operário tem de fazer prova do que afirma.
  • Esta filosofia social estende-se a todos os domínios; é ela que inspira a reorganização administrativa e vai mesmo mais além. Recriará mesmo uma nobreza com a possibilidade de transmitir hereditariamente os títulos de nobreza desde que haja constituição de patrimónios, os morgadios.
  • Assim, no seu termo, a obra social do império parece aproximar-se da do antigo regime e afastar-se da revolução. A analogia não é, no entanto, completa, pois a antiga aristocracia era uma aristocraciade sangue, hereditária, ao passo que a nova é uma aristocracia de funções e de dinheiro, aberta ao talento, ao mérito, aos serviços prestados. É uma concepção mais moderna da nobreza, não igualitária sem dúvida, mas na qual a desigualdade já não está ligada à hereditariedade.
  • Enquanto a construção política soçobrou no naufrágio do império, a construção administrativa perdurou e a ordem social subsistiu. Em larga medida, pode dizer-se da nossa sociedade que ainda é a filha dessa sociedade revolucionária e consular e que vivemos no modelo de ordem social concebido e imposto por Napoleão.