As consequências jurídicas e políticas

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  • Semelhante filosofia arrasta um leque de consequências práticas. E dos seus postulados fundamentais que provém a luta dos liberais, no século XIX, contra a ordem estabelecida, contra toda a autoridade, a começar pela do Estado, visto que o liberalismo é uma filosofia política.
  • O liberalismo desconfia radicalmente do Estado e do poder, e todo o liberal subscreve a afirmação de que o poder é mau em si mesmo, a sua utilização perniciosa, e assim como é necessário adaptar-se-lhe, é também preciso reduzi-lo na medida do possível.
  • O liberalismo rejeita portanto, sem reserva, todo o poder absoluto e, sendo a monarquia absoluta a forma ordinária do poder no princípio do século XIX, é contra ela que ele combate. No século XX ,o combate liberal reconverter-se-á facilmente da luta contra o antigo regime em combate contra os regimes totalitários, contra as ditaduras, mas também contra a autoridade popular.
  • Para evitar o regresso ao absolutismo, a uma autoridade sem limite, o liberalismo propõe uma vasta gama de fórmulas institucionais.
  • O poder deve ser limitado, e que melhor solução existe do que fracioná-lo, isto é, aplicar o princípio da separação dos poderes, que surge, nesta perspetiva, como uma regra fundamental? A tal ponto que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão diz, textualmente, que uma sociedade que não assenta no princípio da separação dos poderes não é uma sociedade regulada. A separação dos poderes não é apenas uma fórmula técnica e pragmática, apresenta-se ao liberalismo como um princípio primordial, pois protege o indivíduo do absolutismo.
  • O poder deve ser igualmente dividido em órgãos de igual força, uma vez que o equilíbrio dos poderes não é menos importante do que a sua separação. Se desiguais, haveria o grande risco de ver o mais forte absorver os outros, ao passo que, sendo iguais, se neutralizam.
  • Declarado ou escondido, o ideal do liberalismo é sempre o poder mais fraco possível e alguns não dissimulam que o melhor governo, quanto a eles, é o governo invisível, aquele cuja ação não se faz sentir.
  • A descentralização é outro meio de limitar o poder.
  • Ainda outra maneira de restringir o poder é limitar o seu campo de atividade e assim se explica a doutrina da não intervenção em matéria económica e social. É a concepção do chamado «Estado-guarda» , um guarda que só intervém em caso de flagrante delito, digamos um Estado-guarda florestal.
  • Uma última precaução, talvez a mais importante: o exercício do poder deve ser definido por regras de direito consignadas em textos escritos e cujo cumprimento seria controlado por jurisdições, sendo as infrações apresentadas aos tribunais e sancionadas. O exercício do controle sobre o funcionamento regular do poder é uma das funções do parlamentarismo. A Grã-Bretanha é o país que melhor soube traduzir esta filosofia e estas aspirações em instituições e numa prática.
  • Desconfiança do Estado, desconfiança do poder, a desconfiança não é menor em relação aos grupos e corpos sociais, a tudo aquilo que ameace sufocar a iniciativa do indivíduo. O liberalismo manifesta-se contra as autoridades intelectuais ou espirituais, igrejas, religiões de Estado, dogmas impostos, e, mesmo que haja um liberalismo católico, ele é anticlerical.
  • Tendo em conta estas consequências e estas aplicações, o liberalismo aparece, no século XIX, como uma doutrina subversiva. De facto, é uma força verdadeiramente revolucionária, com um impulso que implica a rejeição das autoridades, que condena todas as instituições que sobreviveram à tempestade revolucionária ou foram repostas pela restauração e que é portador da destruição da ordem antiga.
  • O liberalismo é uma fé alternativa, uma forma de religião para todos quantos desertaram das religiões tradicionais. Religião da liberdade, o liberalismo pôde ser para muitos, pelos menos na primeira metade do século, uma causa que merecia eventualmente o sacrifício da própria existência. O liberalismo inspira então as revoluções, faz surgir as barricadas, milhares de homens morrem pela ideia liberal.
  • Ideia subversiva, fermento revolucionário, causa digna de todas as devoções e de todas as generosidades - eis a interpretação que nos propõe um estudo feito ao nível das ideias. A abordagem ideológica conduz à conclusão de que o liberalismo suscitou e exaltou entre os Europeus os sentimentos mais nobres, as virtudes mais elevadas. Ela propõe uma visão idealista do liberalismo.