O liberalismo, expressão dos interesses da burguesia

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  • A visão sociológica é relativamente recente, claramente posterior aos acontecimentos, e constitui uma reação ao idealismo da interpretação precedente. Pondo a tónica nos condicionalismos sócio-económicos, nas determinações ditadas pelos interesses, esta abordagem corrige a nossa interpretação histórica e sugere que o liberalismo é, pelo menos, enquanto filosofia, a expressão de um grupo social, a doutrina que melhor serve os interesses de uma classe.
  • Se, em apoio desta afirmação (liberalismo melhor serve a burguesia), se faz intervir a geografia e a sociologia do liberalismo, verifica-se que os países onde o liberalismo aparece, onde as teorias liberais encontraram maior simpatia, onde desabrocharam os movimentos liberais, são aqueles onde existe uma burguesia já importante. Verifica-se igualmente que a categoria social na qual o liberalismo recruta essencialmente os seus doutrinadores, os seus advogados, os seus adeptos, é a das profissões liberais e da burguesia mercantil.
  • A conclusão adivinha-se: o liberalismo é a expressão, até o álibi, a máscara dos interesses, de uma classe. A concordância é demasiado estreita entre as aplicações da doutrina liberal e os interesses vitais da burguesia.
  • Quem, na verdade, mais beneficia, em França ou na Grã-Bretanha, com o jogo livre da iniciativa política ou económica senão a classe social mais instruída e mais rica? A burguesia fez a revolução e a revolução devolveu-lhe o poder. Ela tenciona conservá-lo, contra um regresso da aristocracia e contra a ascensão das camadas populares. A burguesia reserva para si o poder político através do censo e controla o acesso a todas as funções públicas e administrativas. A aplicação do liberalismo tende também a manter a desigualdade social.
  • Ex: Também no campo, entre o proprietário que possui suficientes bens ao sol para subsistir e aquele que nada tem e apenas vive do trabalho dos seus braços, a lei é desigual. A liberdade de erguer vedações nas terras só tem valor para aqueles que as têm para vedar; para os outros, e a privação da possibilidade de criar alguns animais.
  • Além disso, a desigualdade nem sempre é camuflada, e encontram-se, na lei e nos códigos, discriminações caracterizadas, como o artigo do código penal que dispõe que, em caso de litígio entre empregador e empregado, o primeiro seja acreditado sob palavra de honra e o segundo deva apresentar prova das suas afirmações.
  • O liberalismo é, portanto, o disfarce do domínio de uma classe, do monopólio do poder pela burguesia possidente: é a doutrina de uma sociedade burguesa que impõe os seus interesses, os seus valores, as suas crenças. Esta assimilação do liberalismo à burguesia não é contestável e a abordagem sociológica tem o grande mérito de recordar, à margem de uma visão idealizada, a existência de aspetos importantes da realidade que mostram o inverso do liberalismo e revelam que ele é também uma doutrina de conservação política e social.
  • Força subversiva de oposição ao antigo regime, ao absolutismo, à autoridade, apresenta também uma vertente conservadora. O liberalismo evitará certamente entregar ao povo poder que ele arrancou ao monarca. Reserva-o para uma elite, pois a soberania nacional de que se reclamam os liberais é diferente da soberania popular e o liberalismo não é a democracia; reencontramos, numa perspetiva que o ilumina agora de maneira decisiva, esta distinção capital, este confronto entre liberalismo e democracia que dominou os meados do século XIX.
  • Enquanto o liberalismo está na oposição e tem de lutar contra as forças do antigo regime, a monarquia, os ultras, os contra-revolucionários, as igrejas, a tónica é colocada no seu aspeto subversivo e combativo. Porém, quando os liberais chegam ao poder, é o seu aspeto conservador que logo prevalece. Em nenhum outro caso isso é mais nítido do que na história interna da França. O Liberalismo é, pois, uma doutrina ambígua que combate sucessivamente dois adversários, o passado e o futuro, o antigo regime e a democracia futura.