O liberalismo não se reduz à expressão de uma classe

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  • Se a abordagem sociológica valoriza judiciosamente o aspeto ambíguo do liberalismo, quer isso dizer que ela apaga completamente a versão idealizada? Não. A própria abordagem sociológica admite certas precisões e certas reservas.
  • O liberalismo não se confunde com uma classe e há algum exagero em querer reduzi-lo a expressão dos interesses da burguesia do dinheiro: se a burguesia é geralmente liberal, é excessivo concluir-se que não adotou o liberalismo senão em função dos seus interesses, pode tê-lo feito também por convicção e, em parte, por generosidade.
  • As ideologias não são uma simples camuflagem das posições sociais. E raro que as opções sejam tão claras, porquanto, na prática, os homens são ao mesmo tempo menos conscientes dos seus interesses reais e menos cínicos. Se, na verdade, o liberalismo se reduzisse à defesa de interesses materiais, como explicar que tantas pessoas tenham aceitado dar a vida por ele? O seu primeiro interesse não seria conservar a existência? A interpretação sociológica não dá uma explicação para esses mártires da liberdade.
  • Opor princípios e interesses é um falso dilema. Eles podem ir no mesmo sentido sem que, no entanto, os interesses abafem os princípios. Na primeira metade do século XIX, a contradição entre os princípios e os interesses não é tão manifesta nem tão chocante.
  • O termo de comparação que se impõe aos contemporâneos não é a democracia do século XX, mas o antigo regime. Deste modo, mostram-se mais sensíveis aos progressos realizados do que às restrições do liberalismo, concedem menos importância às limitações na aplicação dos princípios do que à enorme revolução realizada.
  • A sociedade é relativamente aberta, dá lugar ao talento, à cultura, à inteligência. Assim, sob a monarquia de Julho, a oposição fará campanha pelo alargamento do direito de voto às «capacidades». O termo compreende os intelectuais, os quadros administrativos, aqueles que, não preenchendo as condições de fortuna exigidas para pertencerem ao país legal, respondem às condições de ordem intelectual.
  • Nos seus princípios e até à revolução industrial, o liberalismo não desenvolveu ainda as consequências sociais que os críticos socialistas sublinharão depois. Numa economia ainda tradicional, onde o grande capitalismo se reduz a muito pouco, numa sociedade fundada na propriedade da terra, o liberalismo não permite a concentração de bens nem a exploração do homem pelo homem. A revolução, num primeiro tempo, libertou mais do que oprimiu.