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  • Esta evolução, que haveria de conduzir à instauração entre o Estado e os indivíduos, entre o público e o privado, de um tipo de relações radicalmente contrário aos dogmas do liberalismo, é tão-pouco o resultado de um processo voluntário e a tradução de um espírito de sistema que os primeiros embaraços surgidos na aplicação rigorosa do código de não intervenção foram ditados pela preocupação de garantir a liberdade da inciativa individual contra os próprios excessos do liberalismo: daí a repressão das fraudes.
  • Além disso, estas intervenções não tinham nada de desfavorável à pura doutrina liberal: eram mesmo perfeitamente conformes à sua inspiração fundamental. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão previa expressamente que a liberdade individual não era ilimitada e que competia ao poder público definir-lhe os limites. É efetivamente para preservar as liberdades elementares, a segurança, o direito à vida, a integridade física, que são adotadas as primeiras restrições.
  • No domínio da saúde pública, o Estado regulamentou pouco a pouco o exercício da medicina, o da farmácia, o fabrico dos medicamentos, assim como a pureza e a qualidade dos produtos alimentares, o fabrico das conservas. A organização das profissões cujo exercício poderia ter consequências graves para a segurança e a integridade física das pessoas deriva da mesma preocupação.
  • A organização das profissões cujo exercício poderia ter consequências graves para a segurança e a integridade física das pessoas deriva da mesma preocupação: é o que se passa, por exemplo, com os arquitectos e engenheiros, e também com as especificações impostas à entrada em funcionamento de pontes, navios, aviões, etc. Nas sociedades em que o Estado não se encarrega ele próprio da instrução, o controle da competência do ensino decorre ainda da preocupação de reservar o exercício de profissões delicadas àqueles que apresentem aptidões apropriadas e reconhecidas.
  • Em todos estes casos, o Estado exerce apenas uma autoridade indirecta e intermitente: impõe as regras, certifica-se da sua observância e sanciona as transgressões. Em parte alguma se substitui à iniciativa privada, não toma a seu cargo esta ou aquela atividade. O seu papel é antes de controle e inspecção.
  • O Estado age ainda com o mesmo espírito e pelas mesmas razões quando regulamenta as condições do emprego e do trabalho: a adoção de uma legislação social obedece ao desejo do legislador de preservar a saúde dos trabalhadores, de garantir a sua segurança contra os acidentes de trabalho. Não se trata de interferir no mercado do trabalho e alterar as relações existentes, mas de apenas proteger o fraco contra a tirania do forte. Na prática, a sociedade afasta-se talvez assim das regras do liberalismo, mas não lhe contesta ainda os princípios e os dogmas.