As consequências sociais e políticas do crescimento urbano

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  • A dilatação das cidades, sobretudo das capitais políticas, não é isenta de incidências na vida política e no exercício do poder.
  • Sob o antigo regime, a residência do monarca era por vezes distinta da capital: Versalhes, a uma certa distância de Paris, ou Madrid, uma cidade criada do nada. Na época contemporânea, geralmente, a sede do poder confunde-se geralmente com a grande cidade e esta proximidade deixa-a à mercê dos movimentos de humor da população urbana, mais instável do que os camponeses e também mais acessível às palavras de ordem. A pressão das multidões urbanas sobre o poder é um dado constitutivo do funcionamento dos regimes políticos. A maior parte dos regimes derrubados sucumbiram a insurreições urbanas.
  • O receio leva os governos a tomarem disposições preventivas, a multiplicarem as precauções: obras importantes destinadas a abrir passagens que possam ser percorridas por cargas de cavalaria ou varridas pela artilharia; substituição do empedrado pelo macadame, a fim de privar a insurreição do seu arsenal privilegiado; constituição de forças policiais encarregadas da manutenção da ordem. Os poderes públicos são também tentados a colocar as capitais sob um regime de tutela administrativa e de vigilância especial.
  • No entanto, um outro fenómeno actua em sentido contrário: o sufrágio universal. Ao entregar um boletim de voto a todos os cidadãos, o poder condena implicitamente o recurso à violência para mudar as instituições: todo o eleitor dispõe a partir de então, por via da constituição, de um meio para modificar legalmente o curso da política, para substituir os detentores do poder. A insurreição deixa de ser o direito sagrado que o direito revolucionário proclamava para se tornar uma violação do direito dos cidadãos.
  • No entanto, um outro fenómeno actua em sentido contrário: o sufrágio universal (2): Paralelamente, a instauração e a prática do sufrágio universal anulam a preponderância da cidade, esmagada sob o número, pelo menos enquanto os camponeses conservam a preponderância numérica.
  • A par das inquietações políticas, a administração quotidiana destas grandes cidades coloca aos responsáveis problemas para cuja solução as instituições municipais tradicionais e as divisões territoriais herdadas do passado se revelam inadequadas. Na sequência do seu movimento de extensão espontânea, as cidades são levadas a integrar e unificar instituições e colectividades. A organização dos distritos urbanos, a formação de comunidades urbanas, a remodelação dos departamentos, inscrevem-se no mesmo esforço para adaptar a administração ao crescimento urbano.
  • As administrações são levadas, tanto pela pressão da opinião pública como pelas necessidades objetivas, a intervir cada vez mais diretamente no funcionamento dos serviços colectivos. Este foi um dos objectivos do socialismo municipal — a substituição neste campo das empresas privadas por serviços municipais —, obedecendo mais à preocupação do interesse geral do que à busca do lucro.
  • A extensão fulminante do fenómeno urbano tem ainda outras consequências cujos efeitos culturais não são os menos decisivos. Durante séculos as cidades tinham permanecido profundamente integradas no meio rural: os habitantes mantinham-se ligados pelos laços, gostos e hábitos ao mundo da terra.
  • A extensão fulminante do fenómeno urbano tem ainda outras consequências cujos efeitos culturais não são os menos decisivos (2): O sentido das influências também se inverteu. A cidade como que se emancipou da sua dependência em relação à sociedade rural: tornou-se o modelo admirado, imitado, reproduzido, que irradia sobre a população rural. A agricultura urbaniza-se ao mesmo tempo que se industrializa e se comercializa. O ensino é concebido pelos e para os citadinos. O género de vida da cidade, o modo de organização que nela se desenvolveu, universalizam-se.
  • A extensão fulminante do fenómeno urbano tem ainda outras consequências cujos efeitos culturais não são os menos decisivos (3): As sociedades contemporâneas tendem a tornar-se sociedades urbanas, enquanto ao longo de milénios a terra foi a matriz de toda a vida e de toda a cultura. A passagem das sociedades agrárias para um novo modo de existência social organizado em torno do fenómeno urbano constitui talvez o maior acontecimento histórico do século XX. É, com toda a certeza, uma mutação decisiva da história dos homens que vivem em sociedade.