As perturbações sociais II

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  • A par desta consequência directa, a guerra e a inflação conjugadas precipitaram certas evoluções, acentuaram desigualdades ou disparidades na escala social, favoreceram certos grupos, prejudicaram outros, reforçaram as discordâncias e envenenaram as relações.
  • A guerra enriqueceu os produtores e os intermediários, os fabricantes de armas, os comerciantes. É o fenómeno do aparecimento dos novos-ricos, que merece um lugar de destaque na imprensa e na literatura do pós-guerra: toda uma forma de traficantes que, em muitos casos, se converteram improvisadamente em fornecedores de material de guerra sem a menor preparação para fabricar granadas ou botas para o exército e que são os descendentes dos contratadores de outrora. Não têm melhor reputação do que os seus antepassados: aponta-se-lhe o facto de terem feito fortuna à custa dos que morriam.
  • O sucesso material desta categoria de industriais de guerra, de comerciantes que especularam e traficaram, volta a pôr em causa as crenças tradicionais na superioridade do trabalho e na virtude da poupança, abala a estabilidade dos valores que constituíam o decálogo da moral liberal e burguesa do século XIX.
  • No outro campo, o dos pobres, das vítimas da guerra e da inflação, figuram todos aqueles que, tendo rendimentos fixos, não conseguiram reapreciá-los e sofreram o contragolpe da desvalorização monetária. É o caso dos proprietários, tão numerosos no século XIX em França, na Bélgica, em Inglaterra: muitas pessoas viviam unicamente das rendas que recebiam. A mobilização da poupança pelo instrumento obrigacionista na bolsa e pelo mecanismo dos fundos do Estado multiplicara o número daqueles que viviam dos rendimentos.
  • Atingidos pelos efeitos da desvalorização monetária, são também vítimas da bancarrota dos Estados em quem tinham confiado e aos quais tinham emprestado as poupanças. A revolução russa dissipa os milhões e milhões que a França enterrou na Rússia desde 1890 e que eram a contrapartida da aliança militar franco-russa. Os cofres públicos otomanos não estão em condições de assegurar os pagamentos.
  • Na Hungria e na Bulgária, o desmembramento dos Estados e a queda dos regimes arruínam milhões de pequenos investidores. Estima-se que existiriam cerca de dois milhões de possuidores de fundos estrangeiros. Também aqueles que no princípio da guerra, num gesto de fervor patriótico, tinham confiado o seu ouro ao Estado para garantir os empréstimos e que, em contrapartida, dele tinham recebido papel-moeda ficam desde então privados dos seus recursos.
  • Nos países vencidos, a situação destas categorias sociais é ainda agravada pela revolução política: o caso extremo é o da Rússia, onde são privadas juridicamente do seu emprego e dos seus rendimentos. Muitos vêem-se compelidos a emigrar: o fenómeno da emigração social e política adquire uma certa amplitude. Dezenas de milhares de russos brancos vêm fixar-se nos países da Europa ocidental, que acolhe uma população flutuante de apátridas, privados da sua nacionalidade.