Cards (12)

  • Segundo grupo de causas que, pouco a pouco, levam o Estado a sair do campo que lhe é próprio: as situações excepcionais. O seu carácter insólito permite suspender a aplicação das regras vulgares e derrogar os costumes. A gravidade das suas consequências obriga os governos a tomarem medidas igualmente excepcionais, mas das quais algumas sobreviverão às circunstâncias que as tinham imposto. Há várias destas situações excepcionais.
  • Em primeiro lugar, as catástrofes naturais e as calamidades: desastres, inundações, fomes. As autoridades públicas organizam então os socorros, distribuem os géneros, dirigem as obras de reedificação, indemnizam as vítimas, asseguram a reparação dos estragos. Não existe aqui nada que desafie os princípios do liberalismo: estes infortúnios frustram as leis habituais. De certo modo, a assistência pública aos infelizes, aos doentes, durante muito tempo deixada à caridade pública ou confiada às igrejas, poderia assemelhar-se a essa forma de intervenção a favor dos fracos e dos desprotegidos.
  • Há, em seguida, as grandes crises económicas, outra forma de catástrofe. Se, no século XIX, os espíritos cultos consideram que é conforme à ordem natural que o Estado não se imiscua de maneira alguma nessas crises e espere que a interação normal dos mecanismos económicos restabeleça uma situação sã, no século XX, a opinião pública já não tolera tal passividade: pressiona com todo o seu peso os poderes públicos para os coagir a intervir.
  • Efeitos de grandes crises económicas (2): Subsídio de desemprego aos assalariados sem trabalho, grandes programas de obras públicas para estimular as economias preguiçosas, aplicação de fundos públicos para repor em movimento as empresas em situação de falência, eis algumas das medidas exigidas ao Estado. Foi a grande depressão americana de 1929 que teve nos Estados Unidos uma influência determinante no crescimento do poder federal.
  • Contudo, para o reforço do poder público e o alargamento das suas atribuições, nada se comparou ao efeito das guerras. Elas criam uma situação em que tudo é subordinado ao esforço da guerra: muitas coisas dependem da derrota ou da vitória, a começar pela própria sobrevivência da coletividade nacional.
  • Efeitos da guerra (2): A salvação pública ultrapassa qualquer outra consideração. Quando a necessidade faz lei, a opinião pública admite que o Estado tome a vida do país a seu cargo, pressiona-o mesmo a fazer disso um dever. A eficácia recomenda-o, a justiça e a equidade também, para se evitar, por exemplo, que alguns particulares acumulem fortunas demasiado escandalosas, que enfraqueceriam o moral dos combatentes e da retaguarda.
  • Efeito da Guerra (3): Por estas motivações, tão práticas como sociais e estratégicas, éticas ou psicológicas, os governos foram conduzidos, no decurso das duas guerras mundiais, a controlar a economia, a dirigir a mobilização de todos os recursos, a repartir os bens, a requisitar os meios, a racionar a distribuição, a orientar autoritariamente a mão-de-obra.
  • Efeito da Guerra (4): O Estado toma-se o principal comanditário, produtor, cliente, empregador: constrói fábricas, financia, subvenciona, estimula. Regulamenta também os preços, as rendas, os salários, as relações de trabalho. Para fazer face a estas tarefas novas criam-se administrações, organizam-se serviços, corpos de controle, departamentos ministeriais: armamento, reabastecimento, invenções, etc.
  • Destas formas, muitas sobreviverão à guerra: a desmobilização pouco as afetará e por mais de uma razão. Mesmo que todos o quisessem, não seria possível fazê-lo imediatamente: a situação foi alterada demasiado profundamente para permitir o regresso sem transição ao status quo.
  • Efeito do fim da Guerra (2): Primeiro, é necessário reconstruir, restaurar as regiões devastadas, reconverter a economia. A desmobilização da máquina de guerra exige um prazo alargado. A penúria prolonga-se nos países vitoriosos e, por maioria de razão, em todos os outros. Mantém-se, portanto, o congelamento das rendas, a circulação forçada do papel-moeda, o controle das trocas e dos câmbios, a direção do armamento naval.
  • Efeitos do fim da guerra (3): Por outro lado, os hábitos contraídos durante a guerra enraizaram-se e as instituições nascidas das circunstâncias acham por bem manter-se: o aparelho jurídico e institucional perpetua-se.
  • Cada guerra, como cada crise, deixa assim numerosos vestígios duráveis da sua passagem na estrutura dos governos, nos efetivos dos agentes do Estado, no orçamento, na legislação, na regulamentação, no espírito público.