Os regimes políticos liberais

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  • Dada a sua identidade de inspiração, os regimes liberais apresentam traços comuns entre si. Na maior parte dos países, os progressos do liberalismo medem-se pela adoção de instituições cuja reunião define o regime liberal tipo.
  • Em primeiro lugar, o liberalismo de um regime reconhece-se pela existência de uma constituição. Em comparação com a inexistência de textos do antigo regime, é uma novidade radical da revolução, que decide, pela primeira vez na Europa - os Estados Unidos deram o exemplo ,- definir por escrito a organização dos poderes e o sistema das suas relações mútuas.
  • Estas constituições são estabelecidas em condições diversas: por vezes, é o soberano que a outorga e a oferece num género magnânimo, enquanto noutras circunstâncias a constituição é aprovada pelos representantes da nação.
  • Estabelecimento de constituições em condições diversas: Para dar apenas um exemplo, a França associa os dois casos. A Carta, no seu texto inicial, é promulgada por Luís XVIII em 4 de Julho de 1814. Dezasseis anos mais tarde, depois da queda de Carlos X, a Carta é revista pela Câmara dos Deputados e só depois de ter prestado juramento à nova Carta Luís Filipe é chamado a ocupar o trono. Deste modo, o mesmo texto (com poucas emendas) começou por ser outorgado e depois foi elaborado pelos representantes da nação.
  • A existência de um texto constitucional é um dos critérios pelos quais se reconhece o liberalismo de uma sociedade política: ela significa a rutura com a ordem tradicional, a substituição de um regime herdado do passado, produto dos costumes, por um regime que é a expressão de uma ordem jurídica. Trata-se de uma novidade radical. Pouco importa, em certo sentido, a extensão das concessões ou o alcance das garantias à liberdade individual ou colectiva, o essencial é que haja uma regra, um contrato que fixe e precise as relações entre os poderes.
  • Importância das constituições para o liberalismo: Como a maior parte das filosofias da primeira metade do século XIX, o pensamento liberal é, pois, essencialmente jurídico. Só mais tarde a evolução substituirá os conceitos jurídicos por realidades sociais e económicas.
  • Em segundo lugar, todas estas constituições tendem a limitar o poder. É mesmo a sua razão de ser. Todas têm em comum o facto de traçarem fronteiras, de marcarem limites à sua ação. O liberalismo define-se pela sua oposição à noção de absolutismo. Seja qual fora constituição em causa, todas encerram o exercício do poder real numa esfera que passa a estar delimitada. O poder é, por conseguinte, limitado, mas isso não exclui que seja monárquico.
  • O poder é, por conseguinte, limitado, mas isso não exclui que seja monárquico. O liberalismo não é, aliás, hostil à forma monárquica nem ao princípio dinástico, mas somente ao absolutismo da monarquia. Monarquia e liberalismo formam mesmo um par harmonioso, já que a presença de uma monarquia hereditária é uma garantia contra os assomos demagógicos e as violências populares.
  • Limitada pela existência de uma representação da nação - sob designações muito diversas: câmara, dieta, estados gerais ,- a decisão política é então partilhada entre a coroa e a representação nacional. Esta representação é normalmente dupla: o liberalismo adopta o sistema de duas câmaras. Quanto mais poderes houver, menor será o risco de um deles se apropriar da totalidade do poder. Duas câmaras constituem a fórmula ideal que permite dividir, equilibrar, compensar.
  • O carácter de compromisso do liberalismo é definido pela composição do corpo eleitoral. Em parte alguma o liberalismo adopta o sufrágio universal e, quando este é introduzido, é sinal de que o liberalismo cedeu o lugar à democracia.
  • Tradicionalmente, distinguem-se duas concepções de eleitorado: aquela segundo a qual o direito do voto é um direito natural, inerente à cidadania, que é a concepção mais democrática, e a do eleitorado-função, segundo a qual o direito de voto é apenas uma função, uma espécie de serviço público no qual a nação decide investir esta ou aquela categoria de cidadãos, introduzindo assim uma distinção entre o país legal e o país real, sendo esta última concepção naturalmente a mais conforme ao ideal liberal.
  • Tradicionalmente, distinguem-se duas concepções de eleitorado (2): Numa sociedade liberal, o facto de só uma minoria dispor do direito de voto, da plenitude dos direitos políticos, de existirem duas categorias de cidadãos, não é vergonhoso e afigura-se normal e legítimo. Se esta discriminação é ao mesmo tempo seletiva e exclusiva, nem por isso é definitiva ou absoluta: não exclui por toda a vida este ou aquele indivíduo. Basta preencher as condições impostas para se tornar ipso facto eleitor. O princípio é muito diferente do do antigo regime, que atribuía o privilégio à nascença.
  • Assim - e estes dois traços são complementares- , as sociedades liberais são inegavelmente restritivas - é o que as diferencia das sociedades democráticas - , mas a exclusão do sufrágio não é definitiva. Parecia legítimo reservar o exercício do direito de voto àqueles que tinham trabalhado e poupado em vez de concedê-lo a quem quer que fosse. A política liberal inscreve-se assim na perspetiva de uma moral burguesa, pré-capitalista, ignorante da concentração e da dificuldade que os indivíduos têm em sair da sua classe e realizar a sua promoção social.
  • Constituição escrita, monarquia limitada, representação nacional, sistema de duas câmaras, discrimação, país legal, país real, sufrágio censitário. Para acabar
    de caracterizar o sistema político, acrescentemos a descentralização.
  • O interesse dos liberais por este sistema (descentralização) responde a uma dupla preocupação, que ilustra a ambiguidade do liberalismo. Confiar a administração local a representantes eleitos é manifestar a sua desconfiança em relação ao poder central, mas é também uma precaução contra os impulsos populares, visto que se entrega o poder local aos notáveis. A reivindicação da descentralização tem, por conseguinte, o significado de uma reação social - é o liberalismo aristocrático - ao mesmo tempo contra a centralização estatal e contra a democracia prática.
  • A par desta organização dos poderes, o liberalismo reivindica e instaura as principais liberdades públicas que dão ao indivíduo garantias contra a autoridade. É acima de tudo o reconhecimento da liberdade de opinião, isto é, a faculdade de cada um formar a sua opinião - e não de a receber já feita ,- mas também da liberdade de expressão, da liberdade de reunião, da liberdade de discussão, que resulta do reconhecimento das opiniões individuais. Tomaram-se igualmente disposições a favor da liberdade de discussão parlamentar, da publicidade dos debates parlamentares, da liberdade de imprensa.
  • O interesse pela liberdade estende-se ao ensino. Com efeito, os liberais não encontram nada mais urgente do que subtrair o ensino à influência da Igreja, o seu principal adversário. De facto, o liberalismo é mais anticlerical do que anti-religioso e, se lhe é possível ser espiritualista, acomodar-se ao reconhecimento do cristianismo, é necessariamente anticlerical, pois é relativista e, portanto, contrário à imposição de todos os dogmas. Os liberais evitaram conceder a liberdade de ensino ampla e total a quem a usasse contrariamente aos princípios de uma educação liberal.
  • De um modo mais geral, o liberalismo tende a reduzir, a retirar às igrejas os seus privilégios e a instaurar a igualdade de direitos entre a religião tradicional e as outras confissões.